Desde 2013 a Revista Memória LGBTIQ+ desenvolve estratégias de preservação e promoção de memórias das sexualidades não normativas, normalmente invisibilizadas nos museus e espaços de memória. Um dos exemplos destas ações é a #ExposiçãoemRevista. Por meio desta metodologia expográfica, apresentam-se para o público memórias e histórias significativas para a população de trans homens, trans mulheres, travestis, lésbicas, intersexuais, gays, bissexuais e queer que não costumam ser incorporadas em museus.
Afinal, todas memórias, merecem ser preservadas!
Em nossa primeira #exposição em Revista do ano, apresentamos as memórias de Luiz Fernando Prado Uchoa.
Luiz é jornalista, professor e palestrante de 36 anos, morador de Guarulhos (SP), graduado em comunicação social (habilitação em jornalismo) e atualmente está se graduando em licenciatura e bacharelado em Filosofia.
Conheça esta importante trajetória!






RLGBTIQ+: Quais são suas principais atividades neste momento?
Luiz: Elaboração de formações sobre transmasculinidades, divulgando campanhas sociais e meu livro sobre transmasculinidades chamado Simplesmente homem: sobre a experiência cotidiana de homens trans, publicado pela editora Metanóia.
RLGBTIQ+: Como tornou-se escritor? Como surgiu a ideia de escrever?
Luiz: Me tornei escritor para expressar ao mundo minhas inquietudes, sonhos e angústias e esse processo de utilizar a escrita como meio de exposição de ideias começou com a elaboração de diários em minha adolescência.
RLGBTIQ+: Fale do seu primeiro livro.
Luiz: No meu primeiro livro chamado Simplesmente homem: sobre a experiência cotidiana de homens trans, publicado pela Editora Metanoia, tive objetivo de trazer seis histórias que visam desconstruir os padrões impostos de masculinidade, afeto e sexualidade vigentes numa sociedade cisgênera e heteronormativa. E o principal da obra é relatar o cotidiano dos homens trans e proporcionar aos leitores a ampliação acerca dos papéis, expressões e identidades de gênero, como também, salientar a importância de refletir a respeito da reprodução de estereótipos existentes quanto à identidade masculina.
Numa conjuntura cisheteronormativa em todo o tempo se depara com modelos formados do que se é considerado masculino e viril. Na contramão destes estereótipos impostos socialmente homens trans lutam pelo reconhecimento de sua identidade e por direitos básicos como ir à escola sem sofrer represálias, usar o banheiro no gênero no qual se identifica, ser amado e respeitado por sua família e acima de tudo ter a liberdade de expressar sua identidade de gênero sem necessitar atender nenhuma expectativa social.





RLGBTIQ+: Você nos procurou recentemente falando da importância das iniciativas que visibilizassem homens trans e pessoas transmasculinas. Como você acredita que a memória e os museus podem contribuir nessa realidade?
Luiz: Os museus podem modificar essa realidade de invisibilização histórica e social, a partir do momento que mostrarem personalidades históricas e narrativas cotidianas deste segmentos suas exposições e acervos para assim a sociedade compreender as diversidades presentes no universo masculino, como também trazer a tona a produção das epistemologias em diversas áreas vigentes na trajetória destes indivíduos e indivídues.
Além disso possibilitar uma discussão ampliada acerca dos estereótipos cisheteronormativos de existência, afeto e sexualidade desse modo proporcionando quebras de paradigma em espaços como museus que são conhecidos muitas vezes por oprimir e aniquilar processos históricos e existenciais tidos como dissidentes, ou seja, fornecer os múltiplos lados da história e não só perpetuando visões estereotipadas e manequistas.
RLGBTIQ+: Quais são as suas melhores memórias? Aquelas que você nunca gostaria de esquecer!
Luiz: A conquista do nome nos documentos, realização da mamoplastia masculinizadora, cirurgia que remove os seios e constrói um peitoral masculino e a notícia da publicação do meu primeiro livro.










RLGBTIQ+: Como foi o procedimento para a retificação dos documentos?
Luiz: Entrei com o processo judicial via Centro Acadêmico XI agosto ligado a faculdade direito da USP, largo São Francisco em que estagiários orientados por professores desenvolvem todo o trâmite e o acompanhavam e para isto ocorrer reuni fotos, prints de redes sociais com nome social, cartas de cinco testemunhas alegando que me conheciam há mais de 2 anos utilizando o nome e que vivia num contexto identitário masculino, laudo psiquiátrico e psicológico para ser entregue e iniciar a elaboração do processo para retificação de nome e gênero.
Só que no meu caso para ficar mais rápido se optou para entrar com o nome primeiro. O processo durou 2 anos para o juiz finalmente aprovar. Quando consegui a sentença judicial favorável tive de me dirigir ao Poupatempo, receita Federal e outros lugares para mudar tudo.
Mas um adendo que gostaria de fazer o chefe do cartório no qual nasci me olhou e disse que não haveria sentido colocar um nome masculino e sexo feminino e ele fez a modificação no sexo também facilitando o processo de atualização dos demais documentos.
Um fator engraçado foi a retirada do tal certificado de reservista já que eu era maior de 30 anos sem a carteira de reservista e por isso tive de ficar meia hora numa sala respondendo umas perguntas estranhas. Mas, nem sei como driblei a situação e me falaram para retirar a tal carteira após 10 dias.
RLGBTIQ+: Como você descreve este momento que estamos vivendo e como isso tem influenciado as vidas transmasculinas?
Luiz: Um momento tenso e preocupante devido a estarmos com um projeto de governo preocupado em perpetuar o modelo cisheteronormativo identitário e sexual para obter ganhos financeiros e manter um sistema neoliberal onde a divisão de categorias impere para nunca a classe trabalhadora ligada a segmentos identitários compreenda sua força no combate às opressões estruturais.
Devido a este panorama as vidas transmasculinas escolhem muitas vezes viver no anonimato para não se serem vítimas físicas e mentais e também assegurarem o seu status social nos diversos sociais, ou não se assumirem enquanto pessoas trans ou pior dos cenários revelam ao mundo sua transmasculinidade e se veem sem nenhum tipo de apoio e são abandonados a própria sorte.
RLGBTIQ+: Quem você admira?
Luiz: Minha mãe, meu pai de família LGBTQIA+ e meus filhos desta mesma família.
RLGBTIQ+: Que objetos pessoais você doaria para um Museu?
Luiz: Livros.
“ Sem palavras para te agradecer por visibilizar uma narrativa transmasculina numa sociedade que silencia e invisibiliza indivíduos que representam a dissidência como é o caso de homens trans e pessoas transmasculinas.” Luiz Fernando Prado Uchoa