O Miss Brasil Gay: Patrimônio de Juiz de Fora

Escrito por Henrique Caproni e publicado na VI edição da Revista Memórias LGBT.

O Miss Brasil Gay é um evento que muda o cotidiano de Juiz de Fora. Nos dias em que sucede, a cidade fica mais colorida, enfeitada, os hotéis ficam esgotados, o comércio local se torna mais movimentado, as festas e restaurantes mais badalados, há sempre pessoas novas e diferentes caminhando pelo famoso calçadão de Juiz de Fora.

Entre os moradores da cidade, podem ser vistos turistas, LGBT’s, gogo boys, gogo girls, drag queens, transformistas, personagens e variados artistas. Logo, notamos que é um evento que mexe com a cidade em suas dimensões físicas, econômicas, simbólicas, subjetivas, turísticas, no humor e espírito das pessoas.
Sua relevância reside também em aspectos financeiros como sendo a festa responsável pelo principal turismo em Juiz de Fora há cerca de trinta anos e movimentando cinquenta e um setores da economia direta e indiretamente durante os dias de festa, gerando uma arrecadação de três milhões de reais (GUIA GAY SÃO PAULO, 2014; GLOBO G1, 2014).

Créditos: Miss Brasil Gay

Mas também contempla sua dimensão social, simbólica, subjetiva e política, sendo um evento reconhecido internacionalmente e um dos mais relevantes do calendário LGBT que tem acontecido em Juiz de Fora desde 1976 idealizado pelo cabeleireiro Francisco Motta, para eleger a mais bela transformista do país. Assim, abrangendo um desfile com trajes típicos, destacando as características e elementos culturais das participantes dos estamos brasileiros, desfile com trajes de luxo, bem como shows ou espetáculos com artistas do cenário gay nacional (CINETHEATRO CENTRAL, 2013). Nota‑se
que o que acontece no evento é a arte do transformismo, as participantes ao realizarem shows e perfomaces fazem uso de maquiagens, vestimentas, acessórios, para atuarem como mulheres (LOBATO, 2009), aproximando‑se destarte de uma feminilidade miss elegante e glamourosa.

Créditos: Miss Brasil Gay

O surgimento do evento esteve associado a uma brincadeira ou paródia ao concurso Miss Brasil, no qual apenas mulheres se inscreviam. Seu objetivo primeiro era ajudar uma Escola de Samba da cidade que estava com dificuldades, de tal modo que aspectos carnavalescos e de transformismo demarcavam inicialmente o espetáculo. Antes dele, vários homossexuais da cidade já organizavam em suas casas alguns pequeno concursos. Nesse contexto, o Miss Gay surge também buscando a profissionalização de uma brincadeira. Seu organizador, Chiquinho Mota, salienta que o concurso enfatizou o transformismo no Brasil (RODRIGUES, 2008; LOBATO, 2009).

Hoje, além de ser uma festa luxuosa e glamourosa celebrando a diversidade LGBT, também possui seu caráter político a favor da luta pela igualdade, pelos direitos humanos e contra a homo‑lesbo‑transfobia
(CINE THEATRO CENTRAL, 2013). Logo, o Miss Gay destaca‑se como uma grande festa nacional LGBT, como uma celebração tradicional para a cidade, tendo registro formal de festividade como quarto bem imaterial registrado pela cidade (RODRIGUES, 2008; PEREIRA; ANJOS JUNIOR, 2012).

Créditos: Miss Brasil Gay 2019

É importante destacar que esse é o único tipo de evento que, associado à questão de gênero e sexualidade, é considerado patrimônio cultural registrado até o momento no país (PEREIRA; ANJOS JUNIOR, 2012). Portanto,

“Com vistas a contextualizar brevemente o evento, importa destacar que essa manifestação possui grande representatividade simbólica para Juiz de Fora, passando, inclusive, a fazer parte do calendário oficial de eventos do município e, ainda, foi registrado, em âmbito municipal, como patrimônio imaterial. Esse fato nos parece digno de maior atenção, haja vista que ainda não se tem conhecimento de outros eventos que contemplem a questão LGBT e que sejam registrados no país, o que pode reforçar o caráter de ineditismo que a cidade de Juiz de Fora possuiria quanto ao fato dessa manifestação ser (re)conhecida como componente do patrimônio cultural da cidade, sendo, inclusive, salvaguardada por um decreto municipal” (PEREIRA; ANJOS JUNIOR, 2012, p. 68).

Refletindo sobre esse evento como um patrimônio imaterial, destaca‑se que se relaciona com um sentimento de identidade e de durabilidade no tempo, bem como de respeito à diferença cultural. O Miss Brasil Gay como patrimônio imaterial também se associa a uma forma de se exercer poder político, social e simbólico (LOBATO, 2009) dado a visibilidade que traz às questões LGBT’s e à cidade de Juiz de Fora. Desse modo, enfatiza‑se que:

Créditos: Miss Brasil Gay 2019

“ter como patrimônio imaterial de uma grande cidade do país um evento gay é de extrema importância para que o movimento LGBT possa amenizar as desigualdades existentes no que se refere à apropriação de bens culturais e à exclusão social de seus indivíduos. Patrimônio intangível torna visíveis questões tabus silenciadas, pela sociedade brasileira” (LOBATO, 2009, p. 19).”

Infelizmente, o evento não ocorreu em 2014 (GLOBO G1, 2014; GUIA GAY SÃO PAULO, 2014; ACESSA, 2014), mas haja vista sua relevância econômica, simbólica e política, torcemos para que volte com luz, brilho, diversão e alegria, em todos os anos seguintes, inclusive como uma forma de se preservar a memória e cultura LGBT’s.

Crédito: Dois Terços

Referências
ACESSA. Miss Brasil Gay não será realizado este ano. 2014 Disponível em http://www.acessa.com/zonapink/arquivo/2014/07/05-miss-brasil-gay-nao-sera-realizado-este-ano/acesso em 15.10.2014
CINE THEATRO CENTRAL. Miss Brasil Gay. 2013.Disponível em http://www.theatrocentral.com.br/agenda/miss-brasil-gay. acesso em 14.10.2014
GLOBO G1. Cancelamento de eventos em MG afetam turismo, afirmam empresários. 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2014/07/cancelamento-de-eventos-em-mg-afetam-turismo-afirmam-empresarios.htmlacesso em 14.10.2014
GUIA GAY SÃO PAULO. Cancelamento de Miss Gay Brasil causa prejuízo de R$ 3 milhões a Juiz de Fora. 2014 http://www.guiagaysaopaulo.com.br/1/n– cancelamento-de-miss-brasil-gay-causa- prejuizo-de-r$-3-milhoes-a-juiz-de-fora– 12-07-2014– 536.htm Acesso em 14.10.2014
LOBATO, M. G. de S. Aproximação, intercâmbio e entendimento entre os seres humanos? Reflexões sobre o Miss Brasil Gay como patrimônio imaterial de Juiz de Fora. 45 f. Trabalho de Conclusão de Curso (curso de graduação em ciências sociais). Fundação Getúlio Vargas – Escola Superior de Ciências Sociais, 2009.
PEREIRA, Graziela Dias; ANJOS JUNIOR, Edwaldo Sérgio dos. Vínculos entre Turismo, Eventos e o Patrimônio Imaterial em Juiz de Fora, Minas Gerais: uma reflexão sobre processo de registro do “Miss Brasil Gay”. Anais Brasileiros de Estudos Turísticos, [S.l.], v. 1, n. 2, p. 64-72, mai. 2012
RODRIGUES, M. C. Miss Brasil Gay polêmica na passarela – eventos como instrumento de comunicação alternativa. 147 f. Dissertação (mestrado em comunicação social). Universidade Federal de Juiz de Fora – Faculdade de Comunicação, 2008.

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