Por Mayara Lacal Cunha Ladeia

A atenção recente do campo museológico brasileiro acerca da temática sobre memórias LGBT+ é visível e está expressa na realização de dossiês, encontros, seminários, trabalhos acadêmicos e surgimento de novos museus e iniciativas de memória sobre nossa comunidade. Contudo, apesar das ações observadas, o campo museológico nacional ainda é essencialmente branco, cisheterocentrado, e colonialista. Produzindo assim lgbtfobia, racismo, capacitismo, misoginia e classismo nas ações desenvolvidas em espaços de memória, nas teorias e metodologias utilizadas, nas políticas públicas do setor, na construção do patrimônio nacional e suas narrativas histórico identitárias. Ainda que mudanças consideráveis possam ser observadas com o surgimento e influência das primeiras museologias adjetivadas como a Museologia Social e a Sócio Museologia, e que a museologia social tenha influenciado substancialmente a construção de políticas públicas para memória e os museus nacionais, elas não foram capazes de enfrentar as fobias e violências existentes.
Em contraponto às questões apresentadas, ao concentrar minhas experiências acadêmicas nas discussões sobre memória da comunidade LGBT+ brasileira e seus desdobramentos no campo museológico e nos museus, foi possível identificar a existência de contra movimentos museológicos e de espaços de memória que informam sobre processos onde pessoas, grupos e territórios antes apagados pelos espaços tradicionais e iniciativas públicas, passam a contar sua própria história e estabelecer relações com a preservação, pesquisa e comunicação de seus patrimônios, e ao produzir memória pela margem, acabam informando sobre ações dissidentes a norma vigente e estagnada que estrutura boa parte dos estudos museológicos nacionais. Dentro do campo museológico nacional, localizei um importante contra movimento sobre memória LGBT+, a Rede LGBT de Memória e Museologia Social, e dois museus sobre a temática LGBT em atividade no Brasil, o Museu da Diversidade Sexual de São Paulo e o Museu Transgênero de História e Arte – MUTHA.
Foi possível também perceber que tem sido comumente utilizada a terminologia museologia LGBT em produções acadêmicas que envolvem os estudos sobre memória, museu e comunidade LGBT+ brasileira. Deste modo, frente ao embate no campo museológico entre ausências, contra movimentos museológicos, espaços e narrativas dissidentes seria possível confirmar a existência de uma Museologia LGBT, levando em consideração a formulação de conceitos, metodologias e sua aplicabilidade?
Diante desse questionamento, investiguei a partir do viés teórico-metodológico a hipótese da existência da categoria conceitual compreendida como Museologia LGBT, como se deu sua elaboração e aplicabilidade, apoiada pelos conceitos formulados pela museologia social e seus questionamentos ao campo, pela museologia tradicional, discussões sobre teoria da memória, movimentos sociais, movimento LGBT e a recente e concisa produção intelectual sobre a museologia e nossa comunidade.
Inicialmente foi feito levantamento e revisão bibliográfica sobre a temática, que permitiu localizar marcos temporais, teóricos e sociais que provocaram o início do pensamento/ movimento LGBT no campo museológico nacional e nas discussões sobre memória, sinalizando a aproximação do Movimento LGBT com a Museologia Social, identificando assim o início da elaboração do conceito e primeiros usos do termo. Permitiu visualizar o caminho percorrido de um pré cenário até a definição das características básicas da categoria conceitual Museologia LGBT, mostrando a existência de uma historicidade LGBT na museologia nacional, como também a existência de uma Museologia LGBT, plural e resistente, no contexto museológico brasileiro.
Durante a investigação da aplicabilidade da museologia LGBT, fiz o estudo de caso de três importantes espaços de memórias destinados a pessoas de sexualidades dissidentes no país, sendo eles a Rede LGBT de Memória e Museologia Social, o Museu da Diversidade Sexual de São Paulo e o Museu Transgênero de História e Arte – MUTHA. A escolha desses espaços aconteceu por considerá-los fundamentais na elaboração de uma historicidade LGBT+ na museologia brasileira ocupando lugar de excepcionalidade na história dos museus nacionais. É importante pontuar que Rede LGBT de Memória e Museologia Social se mostrou como espaço que deu início às discussões sobre memória LGBT+ no campo museológico nacional, se contrapondo a práticas já consolidadas e produzindo importantes reflexões sobre a pesquisa, conservação e comunicação sobre a memória de nossa comunidade, foi e é responsável pela elaboração conceitual e produção intelectual sobre Museologia LGBT. E que os museus em atividade, Museu da Diversidade Sexual de São Paulo e o Museu Transgênero de História e Arte MUTHA, se apresentaram como espaços que também contribuem para discussão, formulação e produção teórica-metodológica dessa museologia adjetivada.
Com as características iniciais que definem teórica e metodologicamente a museologia LGBT, foi desenvolvida a entrevista questionário enviada aos participantes, as respostas foram organizadas por meio de quadro analítico e os resultados obtidos foram tabulados, essa análise indicou a presença de características da museologia LGBT em todos eles, sendo portanto possível confirmar sua aplicabilidade. De modo a marcar a museologia LGBT e sua produção teórico metodológica como contra movimento dissidente no cenário museológico contemporâneo brasileiro, este movimento mostra que não é possível mais ao campo negar a existência dessa museologia nem sustentar práticas que apaguem nossa história, nem negar que o campo e os museus contribuem para a manutenção da violência estrutural experimentada por LGBTs no país.
É portanto urgente ao campo museológico, consolidar uma comunidade de pesquisa que vá de encontro aos desafios trazidos pelo nosso tempo, pela pluralidade e subjetividades de nossa comunidade, para que assim se faça possível imaginar caminhos metodológicos para o aperfeiçoamento de práticas museais, não mais centradas na cisheteronorma. Indicando que num futuro próximo talvez, se faça possível modificar as estruturas que regulamentam nosso campo, iniciando as discussões sobre a memória LGBT partindo de teorias já dissidentes, interseccionais, anti colonialistas onde cada grupo/pessoas possa agenciar e protagonizar sua história, ação esta capaz de tirar nossas memórias dos armários da história nacional.
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