HISTÓRIAS LGBT CONTADAS NOS ESPAÇOS DE MEMÓRIA GAÚCHOS

Por Elisângela Silveira de Assumpção & Zita Rosane Possamai

Essa pesquisa teve como intuito inicial analisar a relação do campo museológico com os movimentos sociais sob a ótica da educação. Docentes e discentes do Curso de Museologia da UFRGS e os militantes do nuances – Grupo Pela Livre Expressão Sexual uniram-se em exercícios expográficos sobre a temática LGBT, em diferentes espaços culturais gaúchos.

A primeira experiência, em ordem cronológica, foi a Exposição Uma Cidade Pelas Margens (2016), que teve sua execução proposta devido ao ataque virtual que o Museu de Porto Alegre Joaquim José Felizardo sofreu em suas redes sociais, despertando em seu corpo diretivo a necessidade de trazer a temática LGBT para sua pauta. Na mostra, foi criada uma identidade visual voltada ao universo LGBT, tornando o arco-íris seu principal signo (FIGURA 1).

FIGURA 1 – Marcelly Malta: Protagonista Homenageada
Fonte: Acervo do Museu de Porto Alegre Joaquim José Felizardo
Foto: Artur Becker, 2016

Como em toda a vivência coletiva, a exposição pulsava vida, comprovado pelos registros de visitação que só aumentava com o decorrer dos dias e pela participação dos públicos nos núcleos interativos. Com o objetivo de ocupar uma única sala da instituição a exposição compôs honestamente o espaço com núcleos bem delimitados, conforme pode se concluir pelas imagens fotográficas que serviram de guia para esta autora.

Os curadores exaltaram os personagens homenageados, propuseram interação do visitante com o Biscoito Sexual, por exemplo, o qual gerou curiosidade sem apelo erótico. Os envolvidos disseram-se satisfeitos com a elaboração e execução do evento, concedendo destaque no seu livro nuances 25 anos. Uma trajetória inconformada com a norma (2017), lançado posteriormente ao evento.

A curadoria transcendeu a dor e optou por lembrar para não esquecer trazendo ao cerne da discussão a violência real e virtual que é sofrida diariamente pela comunidade LGBT, através de um mural com a linha de tempo desde 1953 até a data do ataque sofrido pelo museu em 2016. Acima de tudo o espaço abrigou ideias e valores comungados por todos os presentes, transcritos em objetos tridimensionais, imagens, depoimentos e vivências. Assim como orienta o documento produzido na Mesa de Santiago do Chile, em que propõe que o museu se torne um espaço de discussão e de novas formas de executar exposições que sirvam à comunidade, não se fechando em sua tecnicidade. Consequentemente, nessa experiência se validam as mudanças que a Nova Museologia (ICOM-Brasil, 2010) propõe, ou seja, um projeto coletivo, interdisciplinar e que reverberou mudanças no pensar museológico.

Como segundo ato expositivo a Exposição De Stonewall ao nuances: 50 Anos de Ação (2019) teve como propósito celebrar a Revolta de Stonewall e os 28 anos de militância do grupo nuances. Com uma narrativa que percorreu 50 anos de luta e militância, esse evento trouxe também um público vasto, mesmo não estando em período escolar[1] como ocorreu na exposição anteriormente citada.

O Memorial do Rio Grande do Sul acolheu a proposta expográfica (FIGURA 2) que incluiu painéis nas paredes que promoviam conexões entre as imagens resultando num mosaico com texto e outros signos que descreveram as ações do grupo, alavancando uma fruição plena entre os núcleos.

FIGURA 2 – Banner Externo da Exposição | Fonte: Google, 2019

Recursos expositivos permitiram ao visitante maior interação, a exemplo do cenário do bar de Stonewall Inn, com banquetas para sentar; na sequência o expositor do Jornal Lampião da Esquina, que permitia a leitura de seu exemplar da época; igualmente, plaquinhas com dizeres nuanceiros para tirar selfie. Num sentido mais imersivo contou-se com uma sala de projeção de filmes e documentários com temáticas LGBT e nuances, abarcou 3h e 30 minutos de projeção em looping. Os subnúcleos eram compostos por painéis intercalados por mesas-vitrines, no interior das quais foram dispostos materiais gráficos, proporcionando ao visitante muito conhecimento sobre a causa LGBT.

Como terceira vivência, a Exposição 50 Anos de Ação: de Stonewall ao nuances & TAMBÉM (2019) teve por desafio partir da exposição anterior, à qual foram agregados os materiais do grupo Também, da cidade de Pelotas/RS. A mostra foi acolhida no Paço Municipal da cidade (FIGURA 3). Esta mostra incorporou painéis de personalidades pelotenses, além de atividade que reuniu interatividade, criatividade, política e informação: uma releitura do kit gay. No que tange ao público visitante, a comunidade LGBT participou ativamente.

FIGURA 3 – Inauguração da Exposição 50 Anos de Ação:
de Stonewall ao nuances & TAMBÉM | Fonte: MARTINS, 2021 – Foto: Marcos Fernandes, 2019

Neste evento podemos destacar o papel das redes sociais como meio de divulgar e convidar os visitantes, através das redes sociais de faculdades, da prefeitura e dos coletivos.

O estudo desses três momentos suscitaram indagações: a falta de objetos tridimensionais para contar as histórias e as memórias LGBT; a importância de ressignificar objetos existentes, a exemplo da  coroa e do cetro que saíram da reserva técnica para a exposição Uma Cidade Pelas Margens (2016).

Falar de ausência é também falar da presença dessas pessoas e de suas expressões na vida pulsante fora dos espaços museais. Daí a importância de abrir os museus para esses grupos. Daí a relevância de constituir acervos e coleções  LGBT. Outro valor que reverberou nesse estudo foi a importância da curadoria compartilhada, como falar sobre o outro, se não estou no seu lugar de fala (BAUER, 2021), esta impossibilidade abriu possibilidades amplas e para solucionar qualquer impasse na concepção das exposições.

Neste sentido, a partir das iniciativas aqui expostas fica demonstrado que a Museologia LGBT expressa pautas contemporâneas atinentes à diversidade social e de gênero e dá relevância aos aspectos que os coletivos imprimem na sociedade (BAPTISTA; BOITA; WICHERS, 2020). A aproximação com esses sujeitos, objeto deste estudo, apresenta grande potencialidade para formação de futuros profissionais museólogos atentos às problemáticas sociais e, por outro lado, contribuem para a construção das memórias desses grupos fragilizados e para a visibilidade de suas causas. Os benefícios reverberam em todos os sentidos: por um lado, museus e processos museológicos preocupam-se com pautas de cunho social; por outro lado, o coletivo expressa credibilidade às minorias que nele se apoiam, pelo simples fato de frequentarem um espaço de relevância e empoderamento social. Nesse movimento, a Museologia pode ser uma ferramenta teórica e metodológica que proporciona conhecimento a ambos.

             O estudo de caso aqui proposto, apresenta possibilidades e potencialidades para um movimento de interação que repercute em duas frentes: a) promover o debate na sociedade das questões LGBT e colocar em pauta a memória desses grupos; b) proporcionar a ressignificação das coleções dos museus e a visibilidade de vestígios, de objetos e de imagens de grupos ausentes nas coleções museológicas.

E assim, sigo na crença de que a Museologia, por meio de seus agentes pode tornar os museus e outros espaços de memória, de resistência e de enfrentamento à violência, ao preconceito e à discriminação com o propósito de criar uma sociedade inclusiva e próspera.


[1] Pois é sabido, principalmente, pelas instituições museológicas e culturais que o período letivo é o momento de grande visitação organizada pelas escolas.


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