MEMÓRIA NUANCES: SALVAGUARDA DE UM ACERVO LGBT+ NO RS

Por Marlise Giovanaz

A extensão foi o caminho pelo qual foi estabelecida a parceria de trabalho
entre o grupo nuances e o Curso de Museologia da UFRGS. É na extensão onde se
consolida a função social da Universidade e onde a possibilidade de estabelecer
parcerias e apoio à sociedade civil se desenvolve de forma mais evidente. O convite
recebido para participar de uma exposição em 2016 foi a primeira oportunidade para
docentes e discentes de abordarem em uma atividade de exposição a temática
LGBT+ no curso, sentindo e experimentando o impacto social e político que ocorre
quando se dá destaque a sujeitos e sujeitas historicamente invisibilizados ou
sumariamente apagados (GIOVANAZ, 2020).


Em 2019 mais uma vez em um projeto de extensão – De Stonewall ao
nuances: 50 anos de ação -, a parceria produziu outra exposição que comemorou
os 50 anos da Revolta de Stonewall e os 30 anos do nuances, procurando reforçar o
papel essencial da militância na garantia de direitos sociais e jurídicos da
comunidade LGBT+ e de como o grupo nuances ocupou uma posição politicamente
estratégica na história regional (GIOVANAZ; FARIA, 2021). Durante o ano de 2021,
vivendo as restrições que marcaram a experiência da pandemia de COVID 19, um
terceiro projeto de extensão foi realizado – Nega Lú: um frenesi na maldita Porto
Alegre – um projeto ousado, que ocupou ruas e muros da cidade, em quatro
exposições que comemoravam esta personagem ímpar da cena cultural local, e que
em 2023 foi enredo da escola de samba porto alegrense Realeza. Mais uma vez
esta atividade foi um projeto de extensão, que congregou alunos que se
interessaram pela temática ou pelo formato da atividade, sempre realizadas em
debate horizontal e harmônico com o coletivo nuances (GIOVANAZ; FARIA, 2022).


A partir da experiência destas três primeiras atividades de extensão já
realizadas e encerradas entre Museologia da UFRGS e nuances tivemos como
resultado a produção de artigos científicos, que foi entendido por nós, professoras
envolvidas no processo, como uma forma de comunicar, de partilhar com a
comunidade acadêmica as características da experiência desenvolvida. Foi
compreendido também que não era mais o suficiente estabelecer parcerias
temporárias, era preciso solidificar o trabalho estabelecendo uma rotina de mais
longo prazo. No ano 2023 foi então construído o Projeto de Extensão – Memória
nuances: salvaguarda de um acervo LGBT+ no RS – que envolve três docentes do
Curso de Museologia e do PPG em Museologia e Patrimônio da UFRGS (Marlise
Giovanaz, Ana Carolina Gelmini de Faria e Ana Celina Figueira da Silva). A partir
deste projeto e com a participação de bolsistas se pretende fazer um trabalho de
higienização, organização e acondicionamento do acervo arregimentado pelo grupo
nuances em sua sede, resultado de mais de 30 anos de atuação e desenvolvimento
de atividades culturais, políticas e sociais.


Outra iniciativa por parte das docentes foi estabelecer a realização de
disciplinas eletivas que irão desenvolver ações de pesquisa e de preservação no
acervo do grupo nuances. A disciplina de Tópicos Especiais em Documentação
Museológica utilizará o acervo do grupo como laboratório de aprendizagem para os
discentes e tem como proposta oferecer uma estratégia de documentação que
preserve suas coleções. A disciplina de Tópicos Especiais em Museologia Social
pretende construir, de forma colaborativa, uma proposta de exposição itinerante com a temática as Paradas Livres de Porto Alegre, que foi demandada pelo nuances
como uma forma de expandir a área de atuação das exposições, já que uma
exposição itinerante poderia ser levada ao interior do estado, por exemplo.


Trazer as atividades que eram antes pontuais, realizadas enquanto demanda
de projetos específicos, para atividades regulares, imbricando as atividades de
ensino, pesquisa e extensão é uma forma entendida pelo grupo de solidificar o
trabalho com a sociedade civil organizada. Porém, significa também trazer para o
currículo geral de formação em museologia o debate sobre a história, as lutas e as
memórias da comunidade LGBT+ e romper o nicho dos discentes interessados na
temática.


Nestes poucos anos de experiência de trabalho com a Museologia LGBT+
uma das certezas que construímos foi a necessidade de realizarmos atividades de
valorização da memória, da identidade e da resistência da comunidade LGBT+, que
tem sofrido com o preconceito, com o apagamento, com a violência e com toda
sorte de deslegitimação social. Esta perseguição e preconceito se revelam
posteriormente na própria fragilidade dos acervos LGBT+, pois a destruição de seus
registros documentais tem como consequência o silenciamento da comunidade. A
preservação de suas narrativas e de seus acervos são um pequeno passo para
garantir que suas vozes possam ser ouvidas e suas histórias e memórias
legitimadas. Sabemos o quão raros são os documentos públicos preservados que
permitem contar a história do movimentos e dos personagens LGBT+, muitas
histórias e muitos testemunhos se perderam ao longo do tempo, já que a maior
parte dos grupos organizados são transitórios, suas sedes provisórias e a
preservação e conservação destas coleções sempre muito frágil. A diferença do
grupo nuances em relação às outras associações existentes aqui na região
provavelmente seja sua consciência do lugar histórico que ocupa, seu desejo de
marcar a sua passagem. Portanto, temos também a consciência de que estamos
trabalhando pela preservação de uma pequena porcentagem deste conjunto
múltiplo e complexo de evidências da trama da memória LGBT+ local

REFERÊNCIAS


GIOVANAZ, M. Uma reflexão sobre a participação do Curso de Museologia na
exposição “Uma Cidade pelas Margens”. In: GOMES, A. L. A.; et al. (org.). Anais
do 4º SEBRAMUS. Seminário Brasileiro de Museologia : Democracia : desafios
para a universidade e para a museologia. Brasília: Universidade de Brasília,
Faculdade de Ciência da Informação, 2020. p. 432-442.
GIOVANAZ, M; FARIA, A. C. Uma Exposição em nuances. In: FRAGA, H. J.; et al
(orgs). Experimentações do Patrimônio: diversidades e resistências. Porto
Alegre RS: Editora Fi, 2021. p.23-44.
GIOVANAZ, M.; FARIA, A. C. Nega Lú: um frenesi na maldita Porto Alegre.
Museologia & Interdisciplinaridade. v. 11, n. 21, 2022. p. 92-109.

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